“Amor, acorda. Hoje é dia de ganhar nenê!”
Mas, na verdade, o Má já tava acordado. Sei lá se ele dormiu aquela noite inteira. Eu dormi. Dormi pesado e sonhei que o Pedro tinha nascido e que eu tinha esquecido a malinha da maternidade em casa.
Banhão, e ganhamos a rua. Ainda parecia tudo surdo. Eu tava com a sensação de que tava tudo acontecendo em câmera lenta. Como se eu estivesse assistindo a um filme.
Chegamos no hospital antes das 7h. Má foi cuidar da papelada e eu fiquei ali, sentada. Tinha uma meia dúzia de barrigas além da minha por ali. Eu tava com uma sensação esquisita, mas tão gostosa. Eu tinha esperado tanto aquele dia...
Entramos numa salinha e eu coloquei uma camisola rosa. O fotógrafo entrou, fez nosso cadastro e avisou que iria filmar o parto. Quando ele perguntou o nome do bebê nós respondemos simultaneamente: "Pedro Munhoz" (eu). "Pedro Azanha Munhoz" (o Má). O fotógrafo olhou com aquela cara de "dá pra decidir?". A verdade é que até aquela hora nós não havíamos conversado sobre aquilo. Pra não prolongar a discussão, ficamos assim:
Mas aí, no dia de registrar a criança tava chovendo, e o Má desceu do carro sozinho em direção ao Cartório. Ele ganhou a discussão por "W.O." (ou à minha revelia, pra ficar mais técnico), e hoje o Pipo é o "Azanha" no Colégio. Ironias da vida! Hehehe...
Bem, sei lá quanto tempo se passou mas agora é a lembrança de estar deitada na maca, sendo conduzida à sala de cirurgia. Tava estranhamente relaxada. Uma pontinha de ansiedade, claro, mas tava muito, muito tranquila. Com a sensação de ter anjos à minha volta. E tinha, certamente.
A sala era muito iluminada, claro. Aquele clarão em cima de mim... tipo abdução, mesa de aliens, experimento alienígena. Mas enxergar minha Mãe ali, no meio de todo mundo, me fez achar que eu tava vendo o sol! Que alegria sem tamanho! Ela mandou fazer uma camiseta especial pr'aquele dia. Tão linda.
Me colocaram um trequinho de oxigênio meio incômodo no nariz. Esquisito, porque eu tinha na cabeça aquela imagem de filme, sabe? Achei que pra gente parir ficavam fadinhas cintilantes voando na sala e parteiras com aventais do século XVIII me esperando com um pano quente nas mãos. Não era assim. Era uma cirurgia. Parecia que não combinava. Mas de repente eu tava sentada, e o médico passou um treco gelado nas minhas costas. Era o antisséptico. Eu ia tomar uma picada na coluna... Ui!! Bem da ardida. Mas tá, dava pra seguir. A agulhona que veio depois não doeu, mas fez uma pressão de arrancar o ar. Acho que foi a má-impressão, porque realmente tava tudo muito bem.
Prenderam meus braços. Ah, que coisa chata! Mas era praxe. Bem, ao menos devia ser, porque minha Mãe conhecia aquela rotina há 30 e poucos anos, e tava muito tranquila conversando com a equipe ao mesmo tempo que me fazia cafuné e sorria, sorria, sorria.
Meu obstetra entrou e beijou minha Mãe. O auxiliar dele, que havia sido meu médico desde os 18 anos, perguntou: "Mara, o que é aquela folia lá na sala de vídeo? Tem torcida organizada pra assistir o seu neto nascer? Parece filho de artista!". Eu nem tinha ideia de que tinha tanta gente lá. Minha Mãe sabia, e me deu um sorrisinho com um ar de falsa modéstia. Ela tava firme no cafuné e com a câmera digital em punho. Mas a câmera não serviu de fato pra muita coisa, porque quando viu o neto ela ficou, digamos... totalmente catatônica. Ah... e quem não?
Uma enfermeira muito querida e amiga da família me relatava minuto a minuto o que tava acontecendo. Eu ouvia sons de coisas metálicas batendo, e o apitinho do monitor que indicava o andamento da minha saúde e do bebê. As pessoas conversavam animadamente sobre diversos assuntos. Eu não tava exatamente prestando atenção na conversa, porque, afinal, continuava tudo em câmera lenta. Tinha um pano verde na minha frente, como uma cortina. Eu tava meio incomodada com aquilo, porque eu queria lugar de camarote pra assistir ao espetáculo. Aí a enfermeira-amiga, que devia ser um daqueles anjos que eu comentei, acomodou com carinho minha cabeça tensa - que tava em pé em cima do pescoço - e mandou baixarem o pano. Ela sabia que eu queria ver meu bebê no primeiro fôlego.
Ouvi um "E lá vem!" de alguém. Senti que me chacoalharam um pouco. E de repente... o chorinho.
Pausa nos meus batimentos cardíacos. Na minha respiração. Pausa ou hiperaceleração. Sei lá. Eu gelei. Era ele... era o meu Pedro!! Levantaram um pedacinho de carne ensanguentado. Dá aqui!! Me dá!! É meu!!! Sai todo mundo, eu quero ficar a sós com meu bebê... rs! Eu pirei! Acho que tive aquele impulso de lamber a cria. A gente é bicho, né?
Não tinha mais câmera lenta. Senti como se eu fosse um glóbulo na corrente sanguínea. Uma correnteza, uma onda gigante. Senti pulsar tudo dentro de mim. Senti uma vida oxigenando tudo: minha cabeça, meus sentidos, minhas emoções. Um fôlego. Um sopro. Um trovão. Uma coisa muito forte, como nunca senti antes.
E aí, quando acho que não dá pra sentir nada maior do que aquilo, meu pedacinho é trazido pra junto de mim. Chorando. Berrando. Quase gritando, pra falar a verdade. Eu olhei e era a hora de nos conhecermos. "Então você que é o meu Pedro"? Foi a primeira coisa que eu disse a ele. "Oi, meu amor. Eu sou sua mamãe. E tô aqui pra você. Pra sempre". E aí ele fez um esfoço sobrehumano pra abrir os olhinhos, mas não conseguia. Ele queria me ver. E foi ficando calminho. Até que... parou de chorar! Ele parou de chorar ao ouvir a minha voz.
A enfermeira-anjo soltou as amarras dos meus braços e colocou minha mão sobre ele. E assim eu o acariciei. E disse a ele que não precisava mais chorar porque a mamãe tava ali, o papai tava lá fora, e o Papai do céu estava em toda a parte. E na Terra e no Céu nós iríamos viver pra cuidar dele dali em diante.
Era o maior amor que eu sabia sentir. Tão gente. Tão bicho. Tão sobrenatural.
E naqueles minutinhos não houve mais choro. Ele havia entendido tudo. Tudinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário