quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Uma carta às minhas vizinhas


Oi, meninas. Boa tarde.

Eu sou a Karina. Moro no 57, e sou a mãe de um dos ‘trombadinhas’ que vcs falavam ontem à noite.

Qdo ele era um bebê de alguns dias, como os de algumas de vcs aí, eu realmente não esperava que ele fosse ouvir músicas de letras horríveis na quadra do prédio.

Por favor, me perdoem por isso. Perdoem minha família. Realmente é uma invasão ao espaço dos outros. Puxa... nos perdoem. Contem comigo e com meu marido pra fazermos bastante força educando nosso filho no sentido contrário.

Fiquei tão envergonhada de ouvir sobre os palavrões dele na quadra. Ele não é o pior dos palavrões não, mas tá junto com a gangue. Então, não importa: é da gangue também. Já tinha ouvido, mas, puxa... que vergonha. Sobre as músicas então... que vontade de abrir um buraco na terra e enfiar a cabeça dentro! Ele, que toca bateria e fez aula de violão clássico com um dos melhores professores do Brasil... ouvindo obscenidades no próprio prédio onde mora! Por que, isso... o que saiu errado!?

Aliás, eu pensei q ele seria sempre fofinho como qdo era bebê. Aliás, agora q ele é adolescente, eu garanto a vcs: tem mto mais coisa q não saiu conforme o planejado.

Ele é filho de pai bravo, foi criado na igreja, nos melhores colégios, cheio de amor e disciplina - mas a vida é assim: não saiu como eu previa. Isso não significa que eu estou dando desculpas e jogando a toalha. Significa, apenas, que ele tem a própria personalidade, está nadando em hormônios que não controla, ouve funk e faz um sem-fim de coisas que eu não gosto e não queria q ele fizesse. E que, por isso, eu devo ter mais trabalho do que quem tem, por filho, um santo calminho e controlado.

Mas, é isso: agora é a minha vez.

Uma vez fui chorar sobre a adolescência do meu menino pra minha mãe. Ela me disse: “Filha, vc sempre foi mto boazinha. Nunca deu trabalho nenhum pra nós, em nenhuma fase da vida. Mas teve uma período em que a coisa que eu mais odiava na vida era te buscar no Esporte Clube Barbarense. Eu odiava ver minha filhinha com uma camisa preta do Metallica, no meio daquele monte de roqueiro que eu achava o fim da humanidade.  Você queria provar não-sei-o-que, não-sei-pra-quem. Era adolescente. Mas passou. Passou rápido. E naqueles dias, se eu soubesse que vc seria uma advogada engomadinha, casada e tranquila, trabalhando de scarpin, eu teria chorado muito menos”.

Aquela conversa me aliviou a alma. Bem, pelo menos um pouco, porque a verdade é que agora é minha vez. Minha mãe passou o pedaço dela, agora eu passo o meu. Espero de coração que, na vez de vcs, as coisas estejam mais perto daquilo que vcs planejaram, porque, eu garanto: é muito doído que se refiram ao seu filho como “aquele ali”, ou como “aquele menino retardado”, ainda que os motivos sejam, às vezes, fruto da própria semeadura dele, eu sei. De todo modo é doído, acreditem em mim. 

Ainda que vcs achem que ele seja isso mesmo, olhem pro filho de vcs e pensem em como seria alguém se referindo a eles desta forma. Talvez vcs entendam. Ou não. Tudo bem, também.

Até entendo que o ocorrido tenha sido revoltante para vocês. Mas o que não me entra na cabeça é: o que resolveria ofender em retorno?! Usar palavras fortes?! Desrespeitar no momento em que está se sentindo desrespeitado?! Vai ver é por estar bravo, ou por estar se sentido acima do outro, por ter muita razão. Sei lá. Mas acho que uma boa conversa seria tão mais efetiva... Mas, bem, isso sou eu. 

Vamos cuidar do funk e dos palavrões, meninas. Não tem justificativa isso.

Mas deixem que eles joguem bola na quadra – até às 22h, ou até às 21h, caso vcs decidam mudar o horário do Regulamento. Deixem que ele ouça música também (em altura suportável, e sem músicas ofensivas). Peçam aos seus maridos e aos outros vizinhos que não gritem agressividades pra ele da varanda. Isso é tão hostil quanto os palavrões, na verdade. É o igual com o igual: não saímos do lugar em relação ao que perturba a nossa convivência.

Péra. Não sei se é igual com o igual, não. Não dá para comparar um adolescente e a percepção dele de impacto de suas ações (e até a responsabilização por elas) versus um adulto sendo agressivo sem mostrar o rosto e de cima de uma varanda. Não tenho ideia de quem foi/foram, mas acho que aí entra na mesma situação que falei ali em cima: uma boa conversa seria mais efetiva do que agressividades tais como as da varanda. Ou como as comentadas aqui. Vocês mesmas comentaram nas mensagens que foi falado com a porteira. Se vocês não sabiam de quem era aquela 'criança', a porteira saberia. Podem me ligar no interfone. No celular. Aí a gente se fala e eu já resolvo o problema imediatamente, trazendo meu filho para casa para que eu possa conversar e orientar a respeito. De mãe pra mãe. Mãe de filho pequeno. Mãe de filho grande. É tudo Mãe.

Claro que enche que batam bola na quadra. Claro que enche que ouçam música alta. Mas criança pequena berrando, correndo, chorando e gritando também enche. A diferença é que a criança de vcs é fofinha, a minha não. Mas aí vcs aguentam a minha, eu aguento a de vcs, e a gente segue assim. Se Deus quiser, sempre vai ter criança por aqui. Quando os seus forem adolescentes, o meu vai ser adulto, e o ciclo vai estar sempre começando de novo. Pra não termos ninguém nos enchendo, precisaríamos de um espaço só nosso. Não é o caso de quem mora em condomínio.

Sigo desejando um mundo melhor pro meu filho. E dobrando meus joelhos e lutando MUITO, mas MUITO mesmo, pra deixar um filho melhor pro mundo.

Enfim, vou sair do grupo, claro. Não tem clima, né... E assim vcs talvez se sintam mais à vontade pra reclamar do meu menino e tomarem outras deliberações.

Mas mantenham meu telefone aí guardado. Daqui a 10 anos, se passarem por uma situação parecida – de coração, espero que não! – podem me chamar. Eu vou ajudar vcs a se lembrarem que tudo isso há de passar.


Um abraço!
#bpn

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